quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Mapa da felicidade

Eu não estava aqui. Tudo mudou muito rápido e, de repente, vim parar neste lugar que não conheço. Vejo, por trás do vidro da janela, o brilho do sol pousar sobre as colinas. É inverno e sei que está frio lá fora. Deste lado, encontro-me aquecido com o calor que emana da lareira, localizada no canto da sala. A temperatura aqui é agradável.

Por mais que eu tenha chegado há poucos segundos, sinto-me em casa. A decoração que inicialmente me causou estranheza já se torna familiar. Há uma tranquilidade inebriante por aqui. Escuto apenas o barulho do fogo, o resto é silêncio. Permaneço imóvel, apenas observando os detalhes.

Quando estou confortável o suficiente para desfrutar de tamanho aconchego, percebo que algo mudou. A parede que outrora se apresentava como uma imensidade de branco passa a se mostrar manchada, pouco a pouco, por um fio de tinta que escorre do teto. Não é apenas um filete a caminhar. Gotas brotam em todos lugares e descem pela superfície lisa. Todas, aparentemente, são de um azul vibrante, turquesa, que passa a tomar conta dos limites ao meu redor.

Vejo que não há apenas uma coloração. Também aparece uma tonalidade rosa, que passa sem dó por cima do azul. O roxo soma-se à combinação. Já um verde oliva explode com força na minha direita. Estou cercado por este carnaval de pigmentos extasiados. Instaura-se uma euforia no ar. Se antes aquela calmaria transmitia bem-estar, agora me sinto completamente acolhido. Mais que isso, respiro essa efervescência, energia, agitação, pluralidade. Tem-se, então, um espaço de plenitude e de criação. A janela, agora, exibe as colinas multiplicadas, como em um caleidoscópio.

Não há mais silêncio. Escuto uma batida distante. Tum, tun, tunt, tum.  Parece gradativamente se aproximar. Intensifica-se a cada segundo. Soma-se a efeitos, bateria, pulsação. Tenho vontade de dançar. As chamas do fogo bailam comigo. E ditam a iluminação ora acentuada ora fraca do ambiente. Sinto na pele cada uma dessas mudanças, desde a repentina para o local de início e, também, as transformações sucessivas, que aceleram meu compasso.

No auge, como tudo, esse momento vem a ruir. Desfaz-se frente aos meus olhos, que tomam para si a cidade, feita de prédios cinzas, asfalto esburacado, fumaças tóxicas, trânsito, galpões, máquinas, ritmo, trabalho em série, pessoas que vivem de repetição, rotina que garante a subsistência. Uma massa de soldados abaixa a cabeça para um pastor. Sai do templo e comete crimes de discriminação racial, homofobia, violência. Há cinismo, mentira e corrupção por todos os lados. Batidas de carro. Abuso moral e sexual. Violação.

O coração que antes estava acelerado e pleno, agora parece sossegar. Estabiliza-se. É esta a realidade, de pouca esperança. Tudo é fugaz, efêmero, como foi a visita a este lugar onde eu estava em paz, e dancei, com vontade de nunca tê-lo deixado.

Nenhum comentário:

Postar um comentário