Eu não estava aqui. Tudo mudou muito
rápido e, de repente, vim parar neste lugar que não conheço. Vejo, por trás do
vidro da janela, o brilho do sol pousar sobre as colinas. É inverno e sei que
está frio lá fora. Deste lado, encontro-me aquecido com o calor que emana da
lareira, localizada no canto da sala. A temperatura aqui é agradável.
Por mais que eu tenha chegado há poucos
segundos, sinto-me em casa. A decoração que inicialmente me causou estranheza
já se torna familiar. Há uma tranquilidade inebriante por aqui. Escuto apenas o
barulho do fogo, o resto é silêncio. Permaneço imóvel, apenas observando os
detalhes.
Quando estou confortável o suficiente
para desfrutar de tamanho aconchego, percebo que algo mudou. A parede que
outrora se apresentava como uma imensidade de branco passa a se mostrar
manchada, pouco a pouco, por um fio de tinta que escorre do teto. Não é apenas
um filete a caminhar. Gotas brotam em todos lugares e descem pela superfície
lisa. Todas, aparentemente, são de um azul vibrante, turquesa, que passa a
tomar conta dos limites ao meu redor.
Vejo que não há apenas uma coloração.
Também aparece uma tonalidade rosa, que passa sem dó por cima do azul. O roxo
soma-se à combinação. Já um verde oliva explode com força na minha direita.
Estou cercado por este carnaval de pigmentos extasiados. Instaura-se uma
euforia no ar. Se antes aquela calmaria transmitia bem-estar, agora me sinto
completamente acolhido. Mais que isso, respiro essa efervescência, energia,
agitação, pluralidade. Tem-se, então, um espaço de plenitude e de criação. A
janela, agora, exibe as colinas multiplicadas, como em um caleidoscópio.
Não há mais silêncio. Escuto uma batida
distante. Tum, tun, tunt, tum. Parece
gradativamente se aproximar. Intensifica-se a cada segundo. Soma-se a efeitos,
bateria, pulsação. Tenho vontade de dançar. As chamas do fogo bailam comigo. E
ditam a iluminação ora acentuada ora fraca do ambiente. Sinto na pele cada uma
dessas mudanças, desde a repentina para o local de início e, também, as
transformações sucessivas, que aceleram meu compasso.
No auge, como tudo, esse momento vem a
ruir. Desfaz-se frente aos meus olhos, que tomam para si a cidade, feita de
prédios cinzas, asfalto esburacado, fumaças tóxicas, trânsito, galpões,
máquinas, ritmo, trabalho em série, pessoas que vivem de repetição, rotina que
garante a subsistência. Uma massa de soldados abaixa a cabeça para um pastor.
Sai do templo e comete crimes de discriminação racial, homofobia, violência. Há
cinismo, mentira e corrupção por todos os lados. Batidas de carro. Abuso moral
e sexual. Violação.
O
coração que antes estava acelerado e pleno, agora parece sossegar. Estabiliza-se.
É esta a realidade, de pouca esperança. Tudo é fugaz, efêmero, como foi a
visita a este lugar onde eu estava em paz, e dancei, com vontade de nunca tê-lo
deixado.
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quinta-feira, 13 de agosto de 2020
Mapa da felicidade
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O cultpop MAX:
- MaxCirne
- Viciado em cultura pop, cresceu assistindo filmes e imaginando estar em uma produção de Woody Allen. É admirador de pop arte, de um bom drink e dos livros de Nick Hornby. Não consegue montar um cubo mágico sem ficar frustrado e com vontade de jogá-lo longe. Tem o sonho de morar em Paris no apartamento dos “Sonhadores” e entregar-se ao prazer hedonista. Gosta de dirigir curtas-metragens e brincar com a câmera. Não aprende que deve parar de assistir tantos seriados ao mesmo tempo. Ama o cinema de Tarantino, Wes Anderson e Tim Burton. Precisa viver com trilha sonora, por isso, não dispensa as músicas de The Killers, She & Him e Mika. É jornalista, crítico, cinéfilo e twitta no @maxcirne.
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