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segunda-feira, 15 de janeiro de 2024

Entrevista sobre o movimento surrealista na Revista Riviera

Em 2024, o surrealismo completou cem anos. Mesmo tendo surgido como um movimento artístico na Paris dos anos 1920, seus ideais ainda influenciam a cultura contemporânea. Como pesquisador em Artes Visuais e Cinema, fui procurado pela Revista Riviera, publicação paulistana que se encontra na 36ª edição (Janeiro/2024), para comentar sobre esse marco histórico que rompeu as barreiras da lógica. Segue abaixo os trechos completos da entrevista e os recortes da revista:

"O surrealismo carrega consigo uma forte veia política por figurar em um período entre as duas guerras mundiais. Nesse sentido, traduz os anseios daquela época, pois não tinha como se manter uma arte racional frente à barbárie do conflito armado. Sua manifestação é influenciada pela ascendente Psicanálise, defendida por Freud, fazendo evocar o inconsciente humano por meio da arte. Desta forma, o surrealismo rompe com as barreiras da lógica ao misturar sonho e realidade, criticar o sentido concedido às coisas e transgredir os padrões sociais. Esse modelo, defendido em manifestos escritos por André Breton, tanto em 1924 quanto em 1930, valoriza a experimentação, a ausência de regras e a pluralidade de leituras poéticas. As obras surrealistas buscam afetar o público, fazendo-o sentir diferentes intensidades a partir de momentos de introspecção e reflexão. Ao se tornar uma arte livre, torna-se também um marco na história" (MC). 

"O movimento surrealista, sem dúvidas, teve seu auge entre as décadas de 1920 e 1960, sendo constantemente lembrado pelas obras de nomes como Salvador Dalí, René Magritte, Joan Miró, Max Ernst, Luis Buñuel, Marc Chagall, Leonora Carrington e até mesmo Frida Kahlo. Embora associado a esse período, o legado surrealista seguiu influenciando diversas produções culturais até hoje. Tornou-se mais difícil encontrar artistas que se consideram surrealistas, porém os preceitos da corrente artística são utilizados para a concepção de inúmeras obras, da cerâmica à pintura, do videoclipe ao longa-metragem, da literatura à moda" (MC). 


"O cinema foi um dos principais propulsores da arte surrealista no mundo. Entendia-se essa linguagem como o ambiente propício para borrar os limites entre sonho e realidade. O conceito de “livre-associação”, de Freud, também foi bastante utilizado nos filmes surrealistas, encorajando o espectador a relacionar as confusas imagens com suas possíveis interpretações. Os clássicos do cinema surrealista são assinados pelo diretor Luis Buñuel, desde o famoso curta-metragem “O cão andaluz” (1929) até a retratação de um brutal experimento social em “O anjo exterminador” (1962). A mesma construção de experiência cinematográfica é observada em filmes das décadas seguintes, como “O ano passado em Marienbad” (1961), “O discreto charme da burguesia” (1972)”, “Querelle” (1982), “Naked lunch” (1991), “Um sonho encantado” (2006) e “Mãe!” (2017). A proposta de remontar histórias como um quebra-cabeças, confundindo o público, pode ter reflexos surrealistas na contemporaneidade, desde “Amnésia” (2000), cuja trama é conduzida do final para o início, até seriados como “Dark” e “1899”, que misturam linhas temporais e deixam inúmeras pontas soltas. Um dos mestres do surrealismo contemporâneo é o diretor David Lynch. Sua filmografia inclui poucas produções consideradas tradicionais, uma vez que o restante são filmes abertos para todo tipo de leitura, como “Veludo azul” (1986), “A estrada perdida” (1997), “Cidade dos sonhos” (2001) e “Império dos sonhos” (2006). Além, é claro, da série “Twin Peaks”. O próprio Lynch, durante as gravações de “Império dos sonhos”, chegou a afirmar que não tinha um roteiro prévio e foi filmando cenas e fragmentos sem saber como esses pedaços se conectariam na ilha de edição. Logo, podemos perceber que as obras de inspiração surrealista não são lógicas e racionais, inclusive, criticam esse tipo de pensamento. As pessoas procuram pelo surreal quando querem fugir da realidade, a fim de despertar outras emoções e deixar a razão de lado. Essa busca se faz presente na contemporaneidade e deve seguir como algo inerente ao ser humano" (MC). 


A edição completa no formato flip pode ser visualizada aqui. A matéria se encontra nas páginas 32 a 36. 

terça-feira, 13 de julho de 2021

O jogo do tempo


VIDA/TEMPO

(poema de Viviane Mosé)


Quem tem olhos pra ver o tempo
Soprando sulcos na pele
Soprando sulcos na pele
Soprando sulcos?
O tempo andou riscando meu rosto
Com uma navalha fina
Sem raiva nem rancor.
O tempo riscou meu rosto com calma
Eu parei de lutar contra o tempo
ando exercendo instantes
acho que ganhei presença.
Acho que a vida anda passando a mão em mim.
A vida anda passando a mão em mim.
Acho que a vida anda passando.
A vida anda passando.
Acho que a vida anda.
A vida anda em mim.
Acho que há vida em mim.
A vida em mim anda passando.
Acho que a vida anda passando a mão em mim.
E por falar em sexo
Quem anda me comendo é o tempo
Na verdade faz tempo
Mas eu escondia
Porque ele me pegava à força
E por trás.
Um dia resolvi encará-lo de frente
E disse: Tempo,
Se você tem que me comer
Que seja com o meu consentimento
E me olhando nos olhos
Acho que ganhei o tempo
De lá pra cá
Ele tem sido bom comigo
Dizem que ando até remoçando 

segunda-feira, 12 de julho de 2021

Destino


Filme: "Grandes Esperanças" (1999)

Comento sobre o filme aqui. E também sobre o artista Francesco Clemente, cujas obras compõem o  imaginário pulsante na tela.

quarta-feira, 30 de junho de 2021

Ideologias, sonhos e juventude

 


Filme: "Os sonhadores" (2003)

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Rotina poética do jornalista



Em 2016, produzi para o Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais (Mestrado) da Universidade Federal de Pelotas o registro do meu território enquanto jornalista. No caso, o ambiente da redação do jornal Diário Popular, situado em Pelotas-RS. As redações de jornais impressos não costumam ser visitadas pelo público em geral. São lugares praticamente secretos, esconderijos para onde os repórteres se refugiam após voltar das pautas: o abrigo da escrita. 
Os jornalistas dos veículos impressos têm apenas seu nome assinado junto das matérias. Não há outras maneiras de reconhecê-los ou identificá-los. Seus rostos não invadem as casas das pessoas. Esse anonimato também é compartilhado com outros colegas de profissão, como radialistas e assessores de imprensa.


O vídeo acompanha o trajeto de entrada no jornal e o labirinto até chegar à redação, localizada no segundo andar. Observa-se uma sala ampla, retangular, opaca, habitada por mais de 30 pessoas em seus pequenos espaços, quase cubículos. É um lugar sem vida, monocromático, na sua maioria em tons de bege. O meu canto, entretanto, destaca-se em meio à paisagem apática ao apresentar traços de personalidade, principalmente influenciados pela relação com a cultura.


Revela-se ainda o ambiente de produção e, também, o processo de escrita e o caminho até a publicação. Estão ali as páginas dos blocos de anotações, o digitar incessante no teclado, a formação de frases na tela do computador, as tintas da gráfica e a gravação das páginas impressas no setor de máquinas. Todo um processo até o jornal estar pronto para sua distribuição.


O trabalho audiovisual oferece potência àquele fazer que não é notícia, aos bastidores de uma prática que apresenta forte impacto social, oferecendo um olhar poético para esse oficio e para o espaço em que é desenvolvido. Busca ativar o olhar sensível para diferentes rotinas, uma vez que existe poesia em qualquer tarefa, mesmo sendo cotidiana e repetitiva.

quinta-feira, 20 de agosto de 2020

O sentido da arte (e da vida)


"O trabalho do artista não é sucumbir ao desespero, mas encontrar um antídoto para o vazio da existência" - Gertrude Stein para Gil

Trecho do filme "Meia-noite em Paris" (2011)

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

O labirinto de Francesco Clemente


Apresento algumas pinturas do artista italiano Francesco Clemente. São obras desenvolvidas para o filme “Grandes Esperanças (Great Expectations)”. Lançado em 1998, este drama é uma adaptação moderna do clássico romance de Charles Dickens. Clemente produziu mais de 200 trabalhos para integrar o longa-metragem. 


As obras são essenciais para a narrativa. O personagem principal, Finn, é um jovem pescador que possui dons artísticos desde criança. Com 20 e poucos anos, recebe o convite para expor em Nova York. A mostra é um sucesso e Finn vende todos os trabalhos na vernissage. A realização profissional é importante na história, pois significa a entrada do protagonista para o mundo dos ricos. Um passaporte para conseguir a garota que ama.



Os desenhos de Clemente dão vida a esse universo criativo do personagem. São tão impactantes em cena, que, na primeira vez que assisti “Grandes Esperanças”, as obras me causaram profunda estranheza. Porém, percebi que aquelas imagens ficaram na minha cabeça por muito tempo.


A cada oportunidade de rever o filme, mais fascinado fiquei com a obra do artista, a ponto de buscar seus trabalhos produzidos para além do cinema. Encontrei, então, uma coleção de inúmeros trabalhos, realizados desde a década de 1970 até hoje. O italiano pinta autorretratos, seres híbridos, figuras explicitamente sexuais, cenas religiosas ligadas ao hinduísmo e até celebridades.

Clemente vale-se de várias correntes artísticas, como renascimento, surrealismo e expressionismo. É considerado um dos principais expoentes da Transvanguarda, movimento italiano da pós-modernidade. Cunhada em 1979, a Transvanguarda libera seus artistas para transitar por qualquer época ou estilo do passado, com expressividade de cores e referências.



Desvendar as obras de Francesco Clemente não é uma tarefa fácil. Pouco se encontra de informações sobre o artista na internet. O destaque vai todo para as suas criações. A partir daí, a interpretação é livre. Figuras deformadas, grotescas, metamorfoseadas. Um universo ora onírico ora realista.



No filme, os principais personagens são representados em desenhos, tanto nos créditos iniciais quanto nos quadros da exposição do protagonista. As distorções, ao mesmo tempo que parecem se afastar da aparência dos atores, também se aproximam dos mesmos. Encontra-se a alma dos personagens naqueles traços de aquarela, grafite e giz colorido.




De onde vem essa estética? Essa força visual? Essa presença artística? Francesco Clemente oferece uma visão particular de enxergar o mundo. Carrega suas obras de emoção, de repulsa, de ternura, de crítica social e de infinitas possibilidades.



O que possuem em comum, na sua maioria, são grandes olhos. Estão ali, em cada ser representado. Olhos abissais, como dois pontos magnéticos nas imagens. Assemelham-se ao trabalho da pintora norte-americana Margaret Keane. Haveria alguma inspiração? Difícil dizer. Influências claras no trabalho de Clemente são de Andy Warhol e Basquiat, uma vez que foram amigos e vizinhos em Nova York.


Fora as referências, os olhos ainda permanecem na minha cabeça. Olhos que olham o espectador. Há uma espécie de cumplicidade com aqueles personagens. Não sorriem. Apenas miram apreensivos. Parecem estar dividindo suas angústias mais íntimas.



O artista retrata esses seres, o mundo ao redor e suas interações. Retrata o que vê, o que lhe concede sentido ao mundo. Uma realidade de várias verdades, interpretações e diversidade de expressões. É múltiplo em temas e desconstruções. Cada peça traz uma arte conceitual, desde as obras minimalistas até painéis gigantes nos quais ocorre uma explosão de elementos, cores e significados.

Sendo um artista que tanto perturba quanto hipnotiza, Francesco Clemente diz que não acredita na pureza. Acredita em contaminação, em encontros de diferentes culturas. Sua arte é, realmente, contaminada. Contaminada de tudo um pouco, menos de prisões.


quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Mapa da felicidade

Eu não estava aqui. Tudo mudou muito rápido e, de repente, vim parar neste lugar que não conheço. Vejo, por trás do vidro da janela, o brilho do sol pousar sobre as colinas. É inverno e sei que está frio lá fora. Deste lado, encontro-me aquecido com o calor que emana da lareira, localizada no canto da sala. A temperatura aqui é agradável.

Por mais que eu tenha chegado há poucos segundos, sinto-me em casa. A decoração que inicialmente me causou estranheza já se torna familiar. Há uma tranquilidade inebriante por aqui. Escuto apenas o barulho do fogo, o resto é silêncio. Permaneço imóvel, apenas observando os detalhes.

Quando estou confortável o suficiente para desfrutar de tamanho aconchego, percebo que algo mudou. A parede que outrora se apresentava como uma imensidade de branco passa a se mostrar manchada, pouco a pouco, por um fio de tinta que escorre do teto. Não é apenas um filete a caminhar. Gotas brotam em todos lugares e descem pela superfície lisa. Todas, aparentemente, são de um azul vibrante, turquesa, que passa a tomar conta dos limites ao meu redor.

Vejo que não há apenas uma coloração. Também aparece uma tonalidade rosa, que passa sem dó por cima do azul. O roxo soma-se à combinação. Já um verde oliva explode com força na minha direita. Estou cercado por este carnaval de pigmentos extasiados. Instaura-se uma euforia no ar. Se antes aquela calmaria transmitia bem-estar, agora me sinto completamente acolhido. Mais que isso, respiro essa efervescência, energia, agitação, pluralidade. Tem-se, então, um espaço de plenitude e de criação. A janela, agora, exibe as colinas multiplicadas, como em um caleidoscópio.

Não há mais silêncio. Escuto uma batida distante. Tum, tun, tunt, tum.  Parece gradativamente se aproximar. Intensifica-se a cada segundo. Soma-se a efeitos, bateria, pulsação. Tenho vontade de dançar. As chamas do fogo bailam comigo. E ditam a iluminação ora acentuada ora fraca do ambiente. Sinto na pele cada uma dessas mudanças, desde a repentina para o local de início e, também, as transformações sucessivas, que aceleram meu compasso.

No auge, como tudo, esse momento vem a ruir. Desfaz-se frente aos meus olhos, que tomam para si a cidade, feita de prédios cinzas, asfalto esburacado, fumaças tóxicas, trânsito, galpões, máquinas, ritmo, trabalho em série, pessoas que vivem de repetição, rotina que garante a subsistência. Uma massa de soldados abaixa a cabeça para um pastor. Sai do templo e comete crimes de discriminação racial, homofobia, violência. Há cinismo, mentira e corrupção por todos os lados. Batidas de carro. Abuso moral e sexual. Violação.

O coração que antes estava acelerado e pleno, agora parece sossegar. Estabiliza-se. É esta a realidade, de pouca esperança. Tudo é fugaz, efêmero, como foi a visita a este lugar onde eu estava em paz, e dancei, com vontade de nunca tê-lo deixado.

domingo, 2 de agosto de 2020

A arte e o infinito



"A arte não só não nos dá poder sobre a natureza, mas a arte nos dá capacidade de entender melhor ou viver melhor sem entender a nossa condição humana, que é de desconhecimento. Nós vivemos num mundo mas não sabemos exatamente o que é a vida, mesmo porque saber é colocar em caixas, é configurar. Como é que se configura o infinito? […] 
A arte nos ajuda a ter esse equilíbrio, a potencializar a vida, para que ela possa seguir adiante. Nós temos a cultura e as festas populares, os encontros, tudo isso é fundamental para a civilização. Não é apenas a ciência, mas a arte, a filosofia e a cultura, que envolve os hábitos. O modo que uma cidade se organiza, se ela é violenta, se ela é suja, se ela respeita ou não os cidadãos, isso é um processo de cultura e de formação humana. É nisso que a gente está inserido... É como se o século 21, tudo se tornasse produto. A arte, a música… A gente vive tudo isso como se fosse brinquedos que a gente manipula. O que faltou aí? O que a gente precisa resgatar?"

Trecho da fala da filosofa Viviane Mosé no série "Manual de Sobrevivência no Mundo Contemporâneo" - 8º Episódio - Uma guerra de nós contra nós mesmos